“A Garota dos Cabelos Verdes”
CapÃtulo 1 – O Supermercado
Caralho. Odeio pesadelo. Principalmente quando me fazem lembrar de Ubatuba. Ah, e tenho uma notÃcia não muito boa para vocês. Estou pensando seriamente em levar esta história para o meu túmulo. Literalmente falando. Semana passada eu vi um filme onde o cara morre e é enterrado com toda a sua fortuna, aproximadamente 30 milhões de dólares. Como eu não tenho nem 30 reais, levaria o que tenho de mais precioso, o segredo de Ubatuba. Mas tenham calma, eu ainda não me decidi.
Hahahahahahahaha.
Assustei vocês, hein!!! Calma, gente, um dia eu conto tudo. Pra ser sincero eu nem sei se compensa contar tudo, pois se isso acontecer eu aposto que muitos de vocês jamais terão a coragem de pisar naquela bela cidade outra vez. Sim, Ubatuba é linda, mas guarda segredos obscuros. Pezão e eu sabemos muito bem disso.
Bom, deixa pra lá, outro dia eu ...
Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiing!!! Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiiing!!!
Porra de telefone do caralho. Se quando eu morrer eu encontrar o fantasma do desgraçado que inventou esta merda eu juro que dou-lhe um chute no saco.
— Fala, Pé.
— Pé o caralho, que intimidade é esta?
— É mais curto, hoje não estou com saco pra conversar.
— Está menstruada, santa?
— Meu, desembucha logo, não estou com paciência. Ah, e sua imitação de bicha ficou perfeita, hein! Nem parecia imitação!
— Vai se foder. Cara, estou com um problema sério.
—Â Azar o seu.
E desliguei o telefone. Se conhecemos bem o filho da puta ele deve estar ...
Riiiiiiiiiiiiiiiiiiiiing!!!
— O que é, porra?
— Caralho, por que desligou? Eu preciso te contar um negócio.
— Desembucha, caralho!
— Justamente, eu estou com um problema no ... meu pau.
—Â E o Kiko?
—Â Quem?
— Nada, deixa pra lá. Porra, não acredito que você me ligou pra dizer isso.
— O bagulho é sério. Você está ligado que estou com um pinto implantado de outro cara, certo?
— Certo. E daÃ?
— E daà que ... é estranho, cara!
— Não me diga, é mesmo? — falei em tom irônico, é claro.
— É sério. Eu ainda não me acostumei. Quando eu pego nele sinto como se eu ....
— Porra, nem complete esta frase, por favor.
— Sacou meu dilema, não é?
—Â Acho que sim.
— É foda. E agora? Eu quero o meu pau de volta, o meu mesmo, o meu original, o que veio da fábrica. Entende?
—Â Entendo.
Coloquei a mão direita dentro da cueca. Meu, como é bom saber que o meu pau continua ali, deitado sobre o saco. Dizem que o melhor amigo do homem é o cão, mas eu não concordo. O melhor amigo do homem é o seu próprio pinto. Eu não consigo me imaginar sem o meu. Grande camarada Nando Júnior. Melhor ainda quando ele está de bom humor, não é? Ah, quantas aventuras já vivemos juntos! Sei que algum dia ainda vou me meter em enrascada por causa dele, mas amigos são assim mesmo.
— Será que ainda há chance de recuperá-lo? — perguntou Pezão. Fala sério, quem tem um amigo como o Pezão não precisa de inimigo.
— Olha, cara, melhor desistir. Fica com este aà mesmo e siga com sua vida.
— Não sei se consigo, ontem fui fazer xixi e quando relei nele eu quase vomitei, senti um nojo filha da mãe.
Comecei a rir feito uma hiena com cólica. Pezão ficou puto, é claro.
— Meu, vai tomar no seu cu então, nem sei pra que eu liguei.
— Também não sei. Posso desligar o telefone? Ainda são 11 da manhã, está muito cedo e eu quero voltar a dormir.
— Seu bosta, quero ver quando isso acontecer com você.
— O que você gostaria de ouvir? Pezão, você está com um pinto de outro cara! Quer coisa mais esquisita que isso? Nem no Ratinho a gente vê casos como este. Acha que eu tenho alguma frase pra lhe consolar? Nem tenho, porra!!!
— Vai se foder então.
— Sei lá, cara, procura uma zona, aluga uns pornôs, toca umas punhetas debaixo do chuveiro, dá um jeito! Mostra quem é que manda. Mostra que você é que manda no seu pinto, não o contrário.
Mas será que é isso mesmo? Muitas vezes é o pinto que manda na gente, né? Quem é homem sabe do que eu estou falando. Aposto que tem muito cueca concordando comigo neste exato momento. Se vocês, garotas, não entenderam nada, não se preocupem, isso é coisa de quem tem duas cabeças. É complicado mesmo. Se bem que as mulheres só possuem uma cabeça e são mais complicadas ainda, né? Bom, deixemos esta discussão para outro dia.
— Tem razão — disse Pezão. — , acho que é uma boa idéia.
— Claro que é. Só toma cuidado com uma coisa.
— O quê?
— Pra ele não cuspir na sua cara.
—Â Seu filho da puta.
Ele desligou o telefone.
Nem bem ajeitei meu travesseiro e minha mãe bateu à porta.
— Nando, levanta!
— O que aconteceu? Quem morreu?
— Ninguém morreu, levanta! Preciso que você vá comprar umas coisinhas pra mim.
— Ah, mãe! Por que eu?
— Anda logo, seu pai está aqui.
Meu pai? Nossa, quanto tempo eu não vejo o velho. Eu já estava com saudade.
Levantei-me, troquei de roupa e fui ver o que minha mãe queria.
— Cadê o pai?
— Está dormindo. Chegou cedinho e desabou na cama. Pobre coitado, dirigiu a noite toda só pra não perder o dia de hoje.
— Não entendi. O que tem este dia de tão especial?
— Nando, não sabe que dia é hoje?
— Sei lá, sábado?
Ela ficou me encarando com uma cara de poucas amigas. Meu, por que ela ficou assim tão nervosa? Afinal de contas que porra de dia é hoje? Será que é Natal?
— Fernando, Fernando, você está cada dia pior. Eu sabia que a amizade com aquele menino mimado não seria boa coisa.
Xiiiiiiiiii, pra me chamar de Fernando ... alguma coisa terrÃvel eu devo ter feito. Mas o quê? É pecado esquecer em qual dia estamos?
— Mãe, o que eu fiz?
Ela saiu resmungando e não me respondeu. Entrei no banheiro para lavar o rosto e ela reapareceu, ficou me olhando de soslaio por alguns segundos e disse:
— Preciso que você vá ao supermercado. Vou fazer o prato favorito do seu pai e preciso de alguns ingredientes.
Dei uma cusparada na pia, enxuguei o rosto e respondi:
—Â A senhora nunca faz meu prato favorito.
— Quando você fizer por merecer eu farei.
Xiiiiiiiii, o clima está meio pesado. Melhor eu pegar a grana e correr para o supermercado, antes que ela comece a desabafar. Minha mãe é assim, ela vai guardando as cagadas que eu faço até que, de repente, ela explode e começa a jogar tudo na minha cara. Teve uma vez que ela falou tanta merda na minha orelha que eu até dormi. Acho que o recorde até hoje foi de exatas duas horas. A mama tem uma memória de elefante! Aposto que ela sabe de cor as burradas que eu fiz meses atrás. Ela está só esperando o momento certo. Pelo que eu estou percebendo hoje será o dia.
— Aqui está a lista do que eu quero — ela disse, oferecendo-me uma folha de caderno toda preenchida.
Olhei a lista, era enorme.
— Mãe, é muita coisa, tem certeza de que ...
Ela pegou a chave do carro do meu pai e colocou nas minhas mãos.
— Vai agora mesmo, quero o almoço pronto antes que o seu pai acorde.
— Está bem.
Olha, fazia tempo que eu não via esta cena. Minha mãe me entregando as chaves do carro do meu pai. Algo rarÃssimo.
Entrei no carro, peguei a grana que ela me deu e coloquei na carteira. Esbarrei na Carla Perez. Calma, é só um daqueles cartões com mulher pelada de um lado e calendário do outro. Fiquei alguns segundos encarando aquele belo corpo nu. Quer coisa mais linda? DifÃcil, hein! Bom, mais lindo mesmo só se além da Carla estivessem as duas Sheilas nuas ao seu lado, é claro.Â
Após estes segundos de deleite eu virei o cartão e aproveitei para me situar no tempo. Motivo pelo qual eu peguei o maldito cartão, né? Mas foto de mulher pelada distrai a gente. Caraaaaalho!!! Agora entendi. Hoje é dia 19 de abril, aniversário da minha mãe. Meu, que mancada a minha. Então é por isso que ela ficou fula da vida comigo.Â
Bom, agora a cagada já está feita, melhor eu pisar fundo e comprar tudo direitinho. Acho que minha cota de cagadas com a mama já se esgotou por hoje, não é?
Saà cantando os pneus, ao estilo Pezão.
Supermercado lotado. Filas para entrar no estacionamento. Hoje será um daqueles longos sábados, já percebi tudo.
Opa, uma vaguinha logo atrás daquele Uno cor de merda! Pisei fundo e no momento exato de estacionar .... FOM FOM!! A buzinada alta no meu ouvido quase me deixou surdo. Olhei para o lado e foi tudo o que o motorista do Fusca vermelho precisava para me distrair. Ele entrou na minha vaga, bem atrás do Uno cor de merda.
— Filho da puta!!! — gritei, socando o volante. Depois mostrei aquele famoso dedo, é claro. Ficar nervoso dentro de um carro e não fazer isso é a mesma coisa que peidar e não fingir que não foi você.
Precisei dar uma puta volta para conseguir uma vaga decente. Já o babacão do Fusca vermelho conseguiu a minha vaga, bem na entrada do estacionamento, a melhor vaga de todas. E o pior de tudo é que nem pude ver a cara do filho da puta, pois o Fusca tem vidro fumê. Mas no fundo foi até bom, pois se eu encontrasse com ele dentro do supermercado o bicho ia pegar. Meu, que raiva!!! Por isso que nestas horas é bom ser rico. Se fosse o Pezão ele ia jogar o carro em cima do Fusca e detonar tudo, afinal de contas a mamãe dele lhe compraria outro no dia seguinte, não é? Assim é fácil.
Abri a porta do carro e derrubei um garotinho. O moleque abriu o maior berreiro. Seus gritos ecoaram pelo estacionamento e seus pacotes saÃram voando por todos os lados, esparramando um monte de chocolate e sacos de bala. Uma bagunça só.
— Porra, guri, não olha por onde anda? — pode parecer insensÃvel da minha parte, mas lembrem-se, eu já estava meio irritado com o lance da vaga. Mereço um certo desconto.
O moleque olhou pra mim e chorou ainda mais.
— O que aconteceu aÃ? — gritou um cara lá longe, entrando no estacionamento.
O moleque apontou pra mim e disse:
—Â Ele bateu em mim, papai!
— O quê? Porra, eu nem ...
Quando olhei para o cara ele já estava correndo na minha direção. Meu, fala sério, o cara é o dobro de mim, tanto em altura como peso. Resultado, saà correndo feito um doido. Fui ziguezagueando entre os carros e parei atrás de uma Kombi. Acho que consegui despistar o pai do garoto. Por via das dúvidas fiquei ali escondido por alguns minutos, até que vi o carro deles deixar o estacionamento. Ufa! Esta foi por pouco.
Antes de sair detrás da Kombi senti algo quente nas minhas pernas. Um vira-lata mijava em mim. Fala sério!!!
— Sai daÃ, caralho!!! — disse, empurrando o maldito cachorro pra longe de mim. — Maldito vira-lata dos infernos, olha só o que você me ....
Ouvi passos cada vez mais próximos. Vinham na direção da Kombi. Procurei sair de fininho, mas uma das pessoas me viu. Acho que é o dono da Kombi.
— Ei, você, o que estava fazendo aà atrás? — gritou ele pra mim.
Fingi que não era comigo e continuei me afastando. De repente outra voz:
— Olha ali, ele mijou nos nossos pneus!
Dei uma olhadela para trás e vi um deles vindo apressadamente na minha direção. Este não era tão grande quanto o pai do moleque chorão, mas para evitar conflito eu corri outra vez, mas agora para dentro do supermercado. Por sorte ele não veio atrás de mim. Bom, eu acho que não.
Respirei fundo, enfiei a mão direita no bolso e ...
— Cadê a lista? — falei alto e acabei despertando a atenção de algumas pessoas que passavam por mim.
Puta merda, deixei a lista no carro. Bosta!
Voltei para o portão do estacionamento e ... a dupla da Kombi continuava lá. Não estão esperando por mim, estão ajeitando suas compras, mas acho melhor eu não arriscar. Senti uma raiva tão grande daquele maldito cachorro vira-lata dos infernos.
Bom, eu sempre tive boa memória, certo? Tudo bem que não é tão boa quanto a da minha mama, mas acho que posso lembrar de alguns itens da lista. Deixe-me ver, tinha azeitona, queijo parmesão e ... Não lembro!!!!!!
Bosta dos infernos!!!
Dei outra olhadela para o estacionamento. Os idiotas da Kombi ainda estão lá. Caralho, será que eles compraram metade do supermercado? Que demora!
Acho que tive uma idéia. Se eu for caminhando pelos corredores do supermercado talvez eu me recorde da lista, certo? Não custa nada tentar. Puxei um dos carrinhos e lá fui eu.
Passei pelos pacotes de bolacha. Nada. Entrei no corredor das massas. Nada. Aà virei à esquerda e dei de cara com uma pirâmide de cerveja. Meu, juro pra vocês, parecia a visão do paraÃso. Era como se eu estivesse num sonho. Pra completar aquela visão maravilhosa havia um display em tamanho real da atriz Juliana Paes, sorrindo para mim. Acho que eu fiquei ali embasbacado por um bom tempo. De repente ouvi dois funcionários do supermercado cochichando:
— Será que ele sabe que é de papelão?
— Sei lá, o cara está ficando até de pau duro.
E ambos caÃram na gargalhada. Depois dessa eu voltei à realidade. Chega de Juliana Paes. Eu preciso daquela maldita lista do caralho!!!
Larguei o carrinho no corredor das bebidas e corri para o estacionamento. Ufa! Finalmente uma notÃcia boa. A dupla da Kombi tinha ido embora. Voltei para o carro e peguei a lista. A maldita estava jogada ao lado do pedal da embreagem. Quando tranquei o carro novamente reparei duas coisas:
1.. ele estava cheirando muito mal, acho que era mijo;
2.. a porta estava com dois arranhões e ainda escreveram COVARDE, provavelmente com uma moeda.
— Filhos da puta!!! — falei tão alto que todos dentro do estacionamento olharam para mim.
Meu, estou ferrado! Meu pai tem um amor gigantesco por este carro. Talvez ele goste mais do carro do que de mim. Ninguém merece, eu joguei merda na cruz.
Voltei para o supermercado, mas minha mente estava em outro lugar. Na minha frente havia pilhas e mais pilhas de produtos enlatados, mas tudo o que eu via era meu pai me dando a maior bronca da história.
Entrei no supermercado tão avoado que nem percebi quando esbarrei numa pirâmide feita com latas de Nescau. Nem preciso dizer que causei a maior bagunça. Foram latas para todos os lados. Teve gente tropeçando nas latas e caindo, houve quem caiu sobre outras pirâmides de outros produtos. Meu, foi a maior zona! Levei o maior pito do gerente. Fiquei sem graça e acabei ajudando os caras a montar a pirâmide de Nescau outra vez. Mas nem preciso dizer que ao invés de ajudar eu só atrapalhava, né? Parece fácil quando você vê aquelas pirâmides de produtos toda bonitinha. Na verdade dá um trampo do caralho. Olha, nem vão pensar que estou fazendo propaganda de Nescau, viu? Não ganhei 1 centavo. Além disso eu não tomo. Peguei trauma quando era criança, meu avô me dizia que ele era feito de terra com açúcar. De lá pra cá eu nunca mais tomei.
Nando, um problema por vez, vamos lá, você consegue.
Respirei fundo novamente, peguei a maldita lista e lá fui eu. Puxei outro carrinho, pois aquele primeiro alguém o pegou. Item por item. Agora vai. Fui seguindo a lista como minha mãe a fizera. Pela primeira vez as coisas começaram a dar certo. Foi quando eu vi os últimos itens da lista ... dois melões. Achei a maior graça. Comecei a rir sozinho, como uma hiena solitária no deserto. Deserto? Mas não há hienas no deserto. Bom, aà está a graça, não é?
— Dois melões — falei em voz alta, rindo feito um louco.
De repente levei um tapa. Um tapa daqueles! A dor foi tão grande que deixou minha face e foi se esparramando pelo resto do corpo. Era só o que me faltava, será que o Pigmeu está aqui no supermercado?
— Seu descarado! — mas esta não é a voz do Pigmeu.
E não era mesmo. Era uma gostosona, com um par de seios tão grandes que .... Ah, agora entendi o motivo do tapa.
E a gostosa peituda partiu sem me dar tempo de explicar que os melões não eram os dela e ... Ah, deixa pra lá! Só faltam estes malditos melões para eu terminar esta porra de lista. Vamos lá! Eu preciso ir embora deste supermercado, isso aqui está me dando nos nervos.