“Me Perdoa, Margareth”
CapÃtulo 4 – A Mala Sem Alça
Faltando apenas 15 Km para chegarmos em Cachoeira Mirim começamos a perceber a transformação da “Bel - A Gostosa” em “Bel - A Mala Sem Alça e Sem Rodinhas”.
— Caramba de cidade que não chega nunca! — ela disse, bufando. — Se eu fosse você, dava um pé na bunda dessa Margareth e partia para outra. Sua garota mora no cu do mundo!
Pezão olhou para mim. Olhei para ele. Demos uma risadinha.
Até este momento estava engraçadinho o mau humor dela.
— Falta pouco — falei. — Estamos quase lá.
— Pare o carro, Pezão, agora!
— Por quê?
Ela jogou sua sacolinha no colo do Pezão.
Estava vazia.
Fodeu.
— Estou com fome, mané! — disse ela. Sua voz levemente mais grave. — E quem será que fez aquela maldita torta? Estava com gosto de bunda de macaco!
Depois dessa não consegui me segurar, comecei a rir.
— Está rindo do quê?
— De nada, Bel.
— Só idiotas riem sem motivo. Você é idiota? Cara de idiota você já tem.
Achei melhor ignorá-la, é a doença dela falando mais alto, né?
— Quem cala, consente — disse ela. — Tá com medinho de mim, Nando? Fala comigo, cacete!
— Eu sou um idiota mesmo.
Ela me deu um peteleco na orelha. Puta que pariu, como doeu!
— Porra, Bel, aà já é demais!
— Vamos parar para eu comer alguma coisa ou não?
— Nem fodendo — disse Pezão, bem calmo. — Já estamos quase chegando.
Agora ela deu um peteleco na orelha do Pezão.
— Porra, mina, qual é o seu problema?
— Eu quero comer! Eu quero comer! Eu quero comer! Eu quero comer! Eu quero comer!
Pezão ficou olhando feio para mim.
— O que foi? — perguntei, com a voz um pouco mais alta do que o normal.
— Tá esperando o quê para dar a porra do remédio?
— Mas não era para esperarmos por uma emergência?
— O vermelhidão na sua orelha me diz que já estamos numa emergência. Dá logo esse caralho de remédio para ela!
— Nem pense em me dar nenhuma droga — ela disse, e já me deu outro peteleco na orelha.
Puta que pariu, como ela consegue ter tanta força naqueles dedos tão delicados? Minha orelha ficou queimando de dor. Subiu o sangue. Meti o meu rosto entre os bancos e gritei com ela:
— Você vai tomar sim!!! Por bem ou por mal.
Enfiei a mão no bolso para pegar o maldito comprimido e não encontrei. Putz! Era só o que me faltava.
— O que está fazendo com esta mão aÃ, cacete? Batendo umazinha?
Tentei novamente, agora com mais calma, encontrei. Ufa!
— Calma, eu achei.
— Quero ver você tentar — Bel me provocou.
Como vou fazer para ela tomar esse maldito comprimido? Vou precisar da ajuda do Pezão.
— Para esse carro — falei.
Pezão deu um soco no volante, chateado. Bufou. Revirou os olhos. Mas por fim reduziu a velocidade e …
Puta que pariu, eu não acredito que ela fez isso!!! Ela pegou o comprimido da minha mão e jogou pela janela.
— O QUE VOCÊ FEZ, PORRA??? — gritei.
Pezão se assustou e deixou o carro morrer, o tranco nos jogou para frente.
Abri a porta e pulei para fora do carro, tentando sem sucesso algum localizar o comprimido na beira da estrada.
Com as mãos na cintura, puto da vida, fiquei ali, admirando a bela paisagem à minha volta, pastos, montanhas, o sol cada vez mais baixo no horizonte, meus pensamentos distantes, tentando pensar numa solução, tentando achar forças para não puxar a neta favorita da Dona Mires para fora do carro e deixá-la ali.
É claro que eu jamais conseguiria fazer isso, mas que me deu uma puta vontade, deu.
Pezão desceu do carro e veio atrás de mim. Estava puto.
— Ela me deu outro peteleco, Nando — ele falou. — Deve ser algum problema com esse nome: Mirabel.
— Não entendi.
— Lembra daquela viagem que fizemos para Pouso Alegre? — assenti. — Quando eu fiquei sozinho eu dei carona para uma gostosa. O nome dela era Jezebel, mas à s vezes ela assumia a personalidade de uma criança. O nome da pirralhinha mala??? MIRABEL.
Bel desceu o vidro, dizendo:
— Vocês vão fazer um filme pornô gay aÃ? Estou com fome! Falta muito para chegarmos? O remédio já era, voltem para o carro.
Pezão olhou para mim e disse:
— Se ela não fosse tão gostosa eu deixava ela aqui mesmo.
Foi com um puta alÃvio que vi a placa CACHOEIRA MIRIM e uma seta apontando para a direita.
Chegamos.
Entramos numa estradinha bonita ladeada por pinheiros. Minas Gerais é um estado belÃssimo. A paisagem é o que está salvando esta maldita viagem, até aqui.
— Quando vamos parar para comer? — preciso mesmo dizer quem disse isso? Desnecessário, né?
Tentei a tática de ignorá-la, não deu muito certo. Os petelecos na orelha doem pra cacete. Então é melhor dar atenção. Respondi:
— Deve ter um boteco na entrada da cidade. Sempre tem.
— Boteco? E o que eu vou fazer num boteco, seu tapado? Quero comer, não quero encher o cu de pinga.
— Geralmente tem aqueles ovos cozidos cor-de-rosa — disse o Pezão. — DelÃcia!
Como eu previa, passamos por um botequinho, mas era tão precário que nem ovo cor-de-rosa tinha.
Para a nossa sorte, e azar do bolso do Pezão, encontramos um mercadinho.
Os dois foram às compras, eu fiquei esperando no carro, ouvindo música.
Quase 20 minutos depois eles voltaram.
Ela abasteceu três novas sacolinhas com suas porcarias cheias de calorias. Parecia muito feliz, como uma criança voltando do McDonald’s cheia daqueles brinquedinhos idiotas.
Por alguns segundos ela quase — eu disse quase — voltou a ser a Mirabel que todos nós gostamos.
Quando entraram no carro, Pezão disse baixinho para mim:
— Tenho uma teoria. Se ela comer vai nos deixar em paz.
— Pode ser. De boca cheia não dá para nos xingar de manés ou tapados.
— Isso isso isso — não acredito que o Pezão imitou o Chaves.
— Acham que sou surda? — ela disse, abrindo um pacote gigantesco de Doritos.
Fingimos que não a escutamos.
— Quase fomos expulsos do supermercado — disse Pezão para mim.
— Sério? Por quê?
— Essa aà — Pezão apontou para o banco de trás.
— Eu não falei nada de mais.
— Nada de mais? Você chamou a moça do caixa de lesma retardada. Só isso.
— Você não fez isso — falei, incrédulo.
— Fez — reforçou Pezão. — Pior que fez.
— Meu, é tão difÃcil pegar um produto e passar na frente do leitor de código de barras? Até imbecis como vocês conseguem fazer.
— Mas não havia leitores de código de barras neste supermercado, porra! O bagulho é tão antigo que ela digitou o preço de tudo um por um.
— Ah, é? — disse ela, surpresa. — Foi mal então.
Pezão balançou a cabeça. E disse:
— Pedi desculpas e botei a culpa na TPM. A idiota aqui vira para a funcionária e diz que não está com TPM porra nenhuma.
— Putz! — falei, e me enfiei entre os bancos. — Você deve se meter em muitas enrascadas quando não toma o seu remédio.
Ela deu de ombros e disse:
— Olha a minha cara de preocupada.
Escuro lá fora. Quase 7 horas da noite.
Ainda estamos parados no estacionamento do mercadinho.
A teoria do Pezão parecia fazer sentido. Bel se acalmou um pouco enquanto devorava suas porcarias. Pelo menos nos deixou em paz, e parou com aqueles malditos petelecos.
Agora temos um novo problema para resolver: onde mora a Margareth?
Pezão pegou o celular para ligar para ela e (tentar) descobrir. E contar que viajamos até aqui, é claro. Mas Bel acordou dos mortos e o interrompeu:
— Não liga do seu aparelho, mané! Ela não vai atender nem fodendo. Esqueceu que ela viu uma foto sua comendo a orelha de uma vagabunda?
Porra, até que enfim uma frase sensata! Gostei.
— Acho que ela tem razão — concordei. Peguei o meu celular e ofereci ao Pezão. — Liga com o meu. Se tiver crédito, claro.
Ele discou o número. Suas mãos tremiam. Pezão nervoso? Essa é nova.
— Está chamando! — a voz dele era toda empolgação. Torci por ele. O cara pode ser cuzão e tal, mas é meu melhor amigo. Quando ele fez joinha para mim eu percebi que ela atendeu: — Ma, sou eu! Por favor, não desliga! Você não vai acreditar onde eu estou. Não, porra, não estou enchendo a cara no bar. Ma, escuta. Por favor, deixa eu falar, cacete! Eu estou aqui em Cachoeira Mirim. É sério, estou no estacionamento de um mercadinho bem fuleiro. O nome? Deixa eu ver … — Mercado Zezinho, falei. — Sim, é a voz do Nando, ele está aqui comigo.
— Eu também, Ma! — gritou a Bel. — E que cacete de apelido imbecil é esse?
Fiz sinal para ela se calar, mas acho que o estrago já foi feito.
Pezão continuou:
— Voz de mulher? Que voz de mulher? Ah, é ... uma ficante do Nando — e riu da minha cara. — Deixa isso pra lá. Ma, tá fácil chegar aà na tua casa? Preciso te ver, agora!
— Essa conversinha tá me dando vontade de vomitar — Bel disse, apontando o dedo indicador para a sua boca aberta.
— Quieta, porra! — disse Pezão. — Não, Ma, não falei com você. Foi para a ficante do Nando. Ela tá de TPM e veio nos apavorando na viagem.
— Ai que medinha dele!
Pezão lançou um olhar tão assustador para ela que até eu fiquei com medo. Mas ele voltou sua atenção para o aparelho celular:
— Eu sei que você ainda está puta da vida comigo. Reconheço, pisei na bola feio. Mas eu gosto muito de você! Me perdoa, Margareth!
— Margareth — Bel falou lentamente. — Que nomezinho mais antiquado, né?
Dessa vez Pezão quase voou no pescoço dela.
— Quem é você para falar alguma coisa? Você tem nome de rosquinha, caralho!
Ele abriu a porta com raiva e saiu do carro. Fechou a porta com ainda mais raiva. Acho que ele saiu para não dar um soco na cara da Bel.
— Tem geladeira na sua casa não? — ela disse.
— Bel, dá um tempo! — falei. — Nós viajamos até aqui para ele encontrar a namorada e agora você quer foder tudo? Ei sei que é esta sua maldita doença esquista do caralho, mas tente se controlar, por favor!
Pensei que ela ia baixar a bola, mas eis que ela me responde com uma voz cÃnica pra cacete:
— Tudo isso é ciúme do seu amiguinho? Vocês formam um belo casal.
O sangue ferveu. Confesso que fiquei com muita vontade de sentar a mão na cara dela, mas não bato em mulher. Homem que é homem não faz isso.
Lá fora Pezão ainda travava uma batalha épica por um simples endereço. Já imaginaram se a Margareth decide não lhe dizer onde mora? Voltar para casa assim vai ser foda, nosso amigo ficará puto.
Bel abriu um pacote de biscoito de polvilho. Viva! Vai me deixar em paz pelos próximos minutos. Ou não.
— Ai que brega! — disse ela, de boca cheia. Voou pedaço de biscoito por todos os lados, inclusivo nos meus cabelos. Ela apontou o dedo na direção do Pezão — Você viu aquilo?
— O quê?
— Não ouviu o que o mané disse para a namoradinha dele?
— Não, porra! O quê?
— Ele disse “Eu te amo”.
— Sério? Mas como você conseguiu ouvir?
— Eu não ouvi. Nunca ouviu falar em leitura labial?
Tem alguma mina aà disponÃvel para vir aqui dar um soco na cara da Bel? Pago quando puder.
Será que o Pezão disse aquilo mesmo? Ele está voltando para o carro, vem sorrindo de orelha a orelha. Acho que conseguiu o que queria.
— Rua das Palmeiras, número 702 — repetia ele, sem parar.
— Caraca, teve que dizer “eu te amo” para conseguir o endereço?
Ele olhou espantado para mim.
— O quê? Eu não falei isso.
— Disse sim — afirmou a Bel.
— Não viaja, rosquinha!
— Rosquinha é o teu cu!
Comecei a rir que não parava mais, parecia uma hiena doidona no Tomorrowland.
Pezão deu uma ré queimando os pneus, quase atropelamos duas velhinhas. Uma delas tentou acertar uma bengalada na traseira do carro. A outra nos xingou, mas não entendi o que disse.
— Rua dos Pinheiros, número 702 — Pezão disse para ele mesmo, baixinho.
— Rua das PALMEIRAS, seu idiota! — gritou a Bel lá atrás.
— Nada a ver.
— Rua das Palmeiras, 702 — confirmei. — Pelo menos foi o que você disse quando voltou para o carro.
— Estou muito nervoso, caralho.
— Tô vendo mesmo. Essa Rua das Palmeiras fica muito longe?
— Nada aqui é longe — Bel disse. — Essa cidade não tem nem 15 mil habitantes. Se você engatar a segunda marcha voltamos para a estrada.
Saindo do estacionamento pedimos informações para um velhinho. Caraca, só tem velho nesse lugar? Ele disse, gesticulando mais do que um guarda de trânsito:
— Siga esta avenida até a Farmácia do Ciro. Depois vire à direita. Siga em frente até uma escola infantil. Esquerda. Direita. Pega a reta e vai embora até um semáforo. Quando passarem pelo semáforo vocês entrarão na Rua das Palmeiras.
Agradeci o velho, Pezão saiu queimando os pneus outra vez. E logo perguntou:
— Depois da Padaria vem o quê?
— Fala sério! — Bel disse. — Essa tal de Margareth devia estar a perigo mesmo para namorar um lesado como você.
Pelo espelho retrovisor Pezão mostrou aquele dedo para ela. Bel cagou e andou.
Guiamos o Pezão pelas informações do velho. Tudo certo, nos mÃnimos detalhes.
A Rua das Palmeiras não tem palmeira alguma, mas tudo bem.
A iluminação é péssima. Sofremos para enxergar os números das casas.
Acho que levamos mais tempo procurando o número 702 do que para encontrar a rua certa, mas por fim encontramos.
A casa é simples, o portão de ferro está enferrujado e o muro tem um metro de altura. Uma árvore gigantesca na calçada deixa tudo ainda mais escuro. Daria um ótimo cenário para um filme de terror.
Pezão encostou o carro.
Suas mãos tremiam ao volante. Ele estava num mix de empolgação e ansiedade.
— É agora — ele disse.
— Vai lá — falei, após um soco no ombro dele.
— Quanta viadagem — Bel disse.
— Vai se foder — xingamos juntos.
Pezão olhou para nós e disse:
— Falei para a Margareth que vocês são namorados.
— Não foi bem o que você disse — Bel o corrigiu. — Eu ouvi perfeitamente quando você disse que sou a “ficante” do Nando. Ficante? Quem é que ussa essa palavra hoje em dia?
— Foda-se! O que importa é que vocês vão confirmar a história e ponto final. De agora em diante vocês formam um belo casal de pombinhos apaixonados.
— E se eu não quiser?
— Não existe esta alternativa. Você quer e foda-se.
— Vamos ver. Se eu for com a cara dela ...
Ela força a amizade, né? Calma, Nando, calma … você consegue não socá-la. Pense em lindas gaivotas voando num céu azul, com golfinhos pulando no oceano.
— Tudo o que eu peço é que vocês me ajudem, por favor! — Vi sinceridade na voz do Pezão como poucas vezes vi na vida. — Eu gosto muito dela, porra.
— Vai logo, mané! — disse Bel, impaciente.
E ele foi.
Olhou mais uma vez para o número da casa e, antes de bater palmas, recuou alguns passos e perguntou para mim:
— O número é aquele mesmo?
— Porra, Pezão, não sei quem tem a memória mais zoada: você ou a Dory do Procurando Nemo.
A Bel riu feito uma criança. Ah, ela ainda sabe rir, bom saber.
Pezão não bateu palmas, gritou o nome da namorada por sobre o portão.
Uns trinta segundos depois a porta da casa se abriu.
Como eu já disse antes, a iluminação do local é terrÃvel, não consegui ver quem abriu a porta. Só sei que não foi a Margareth, ela é alta e magra, o vulto parado na porta é de alguém mais baixo e atarracado.
— Vocês vieram mesmo! — disse uma voz rouca, masculina.
Cacete, eu conheço essa voz.
— É o Nando ali no carro? — disse o personagem misterioso, apontando para mim.
Eu aaaaaaaaaaacho que já sei quem é. Será?
— Que acachapante! — ele disse.
Suspeitei desde o princÃpio.Contamos com os comentários de vocês lá na nossa Fanpage, OK?