“O Pai da Magareth”
CapÃtulo 17 – Sim ou Não
Percebi Margareth fechando os punhos para socar a menina, mas para a nossa sorte o Sr. Porrah apareceu.
— O que está acontecendo aqui? — disse ele.
— Esta moça queria me bater, papai! — sua voz ficou doce outra vez.
— Como é que é? — ele olhou para Margareth, espantado.
— É brincadeira dela.
O velho sorriu. Ufa! Foi por pouco.
De repente senti alguém beliscar a minha bunda. Preciso dizer quem foi? Sossega, minha filha, isso dá cadeia!
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Após o beliscão ela correu até a escada e subiu os degraus numa velocidade tão grande que eu pensei que fosse tropeçar e levar um tombo cinematográfico.
— Ela é meio estressadinha, né? — disse Margareth para o Sr. Porrah.
— Já foi bem pior — ele respondeu, com um olhar pensativo.
Antes que eu pudesse dizer alguma coisa, notei alguém descendo a escada. E descia com uma elegância tão impressionante que eu tive a sensação de que tudo ao meu redor simplesmente congelou. Primeiramente vi um par de pernas de parar o trânsito. A mulher usava um vestido rosa claro, todo florido, até a altura das coxas. Barriguinha aparentemente sarada. Ela descia os degraus lentamente, como se parasse para posar para câmeras imaginárias. Logo vi um par de seios (não estavam nus, é claro), mas o decote sensual da blusa deixou bem claro que se tratavam de seios perfeitos, daqueles esculpidos com capricho pela deusa Afrodite. Agora só falta o rosto. Tenho quase certeza de que a gostosa é a cara da Vera Fischer, no auge.
Errei.
Puta que pariu! A Vera Fischer é um bagulho perto dela. Meu, que rosto é aquele? A mulher parece uma princesa de contos medievais, com longos cabelos loiros e olhos verdes tão brilhantes quanto zircônias. Zircônias? Porra, de onde eu tirei isso? Bom, já deu pra perceber que mulher bonita me deixa inspirado, né?
— Olá! — disse a princesa, com um sorriso tão acolhedor que eu me senti em casa.
Sorrimos de volta. Eu confesso que derramei um pingo de baba quente no tapete.
O Sr. Porrah ficou ao lado dela e disse, olhando para nós:
— Esta é Ajandra, minha esposa.
O quê? Esposa? Ah, fala sério! Não pode ser verdade. Deve ser filha ou neta.
— Nossa! — disse Margareth, tão surpresa quanto eu. — Agora eu entendi porque o senhor disse que ela é a esposa mais linda do universo.
— Você disse isso? — e Ajandra deu um tapinha no ombro do marido. — Exagerado!
Acho que estou de boca aberta até agora. Não acredito que a mulher mais linda que eu já vi é casada com aquele velho com cara de sapo-boi do pântano.
— Você deve ser a Margareth. Seu primo me falou muito de você.
— Sério? Coisas boas, né?
— Sim, ele é uma graça! E aquelas bochechas gorduchinhas são tão gostosas! Ai que vontade de ficar o dia todo apertando!
Gordo peçonhento sortudo do caralho. Apertar as minhas bochechas ninguém quer, né?
— E você é o Nando — sua voz é rouca, incrivelmente sexy. Só de ouvi-la dizer o meu nome eu quase tive uma ereção.
Sossega, Nando Júnior!!!
— Sim, sou eu — respondi, tentando evitar a ereção. Acho que consegui.
— Sejam bem-vindos ao nosso lar. Sintam-se em casa.
Desde que eu te vi já estou me sentindo assim, meu anjo. Fala sério, se eu não deixar este lugar vou me apaixonar por esta mulher. Você deve estar me achando um completo babaca, mas se você estivesse no meu lugar diria a mesma coisa.
— Vou preparar uns bolinhos e já volto — e lascou um beijo no velhote. Virei os olhos para não ver aquela cena nojenta. A dentadura do velho não deve ter um gosto de hortelã ou cereja, né?
— Não precisa se incomodar, Ajandra! — disse Margareth. — Já estamos de partida.
— Estão nada! Vocês vão provar meus bolinhos, depois a gente decide se estão de partida ou não.
Margareth olhou para mim. Dei de ombros.
— Tudo bem — assentiu Margareth. — , podemos ficar mais um pouquinho.
— Não irão se arrepender — disse o velho. — , ela faz os melhores bolinhos do universo.
— Não espalha, hein! — disse eu. — Senão marcianos podem vir até aqui e levá-la embora.
E todos riram, apesar da piada idiota.
Ajandra nos deixou. Imediatamente senti o ambiente perder sua leveza. O velho apontou para a escada e disse:
— Não querem tomar um banho? Temos toalhas e roupas limpas, se quiserem.
Não estávamos em condições de recusar. Nossos corpos cheiravam a gambás.
Cavalheiro que sou, deixei Margareth tomar seu banho primeiro. Enquanto aguardava a minha vez, o gordinho peçonhento finalmente deu as caras. Vestia roupas limpas e, pela primeira vez, estava com os cabelos penteados. Até parecia gente. Apesar de tudo, estava com uma expressão assustada.
— Este lugar está cheio de gente esquisita! — sussurrou ele.
— Ah, tá, e você é normal, né?
— Perto dessa gente eu sou mesmo. Reparou nos nomes daquelas crianças?
—Â O casalzinho das vozes invertidas?
— Isso! Reparou nos nomes? Luci e Ferdnand.
O gordinho ficou me olhando com olhos esbugalhados.
— E daÃ, porra? Poderia ser bem pior, tipo Lucicreide e Ferdinélisson.
Ele nem esboçou sorrir. Continuou me encarando com aquela cara rechonchuda, depois disse:
— Junte os nomes. Dá Lúcifer. Lúcifer! Este nome lhe diz alguma coisa?
— Ah, não viaja! Coincidência, porra!
— Coincidências não existem.
— Porra, gordo, vai dar uma de Padre Quevedo agora? Eles são esquisitos, nisso eu até concordo com você, mas deve ser alguma doença na garganta, só isso!
— E os irmãos gêmeos, você já os conheceu?
— Irmãos gêmeos? Não, estes eu ainda não vi.
— Acachapantemente esquisitos! Um só sabe dizer SIM, o outro só diz NÃO.
— Ah, eles estavam zoando com você, gordo. Crianças fazem isso o tempo todo.
— Não estavam zoando coisa nenhuma! Criança quando brinca dá risada. Eles não sorriem. Estou falando para você, este lugar só tem gente esquisita!
— Quando a Ajandra apertou suas bochechas você não achou que ela fosse esquisita, né?
— Ah, toda regra tem sua exceção, né?
—Â Gordo safado.
— Mas ... apesar de linda, ela também é meio esquisita. Você não achou?
— Esquisita? Porra, esquisito é você! Ela é a mulher mais linda que eu já vi. O corpo, o rosto, o sorriso, os olhos, tudo nela é milimetricamente perfeito.
— Eu sei, mas isso não impede que ela seja meio esquisita. Se você prestar bem atenção, ela não pisca.
Comecei a rir feito uma hiena com o vÃrus Influenza.
— Você dá pra comediante, gordo.
— Sai fora! Não dou pra ninguém!
— Ela não pisca! Esta foi muito boa.
De repente ouvimos a voz da Margareth no corredor. Ficamos em silêncio para ouvi-la melhor.
— Que fofos! — disse ela. — Como vocês se chamam?
Nenhuma resposta.
— Aposto que ela encontrou os gêmeos! — disse o gordo. — Eles só sabem dizer Sim e Não, por isso não responderam.
— Ah, fala sério!
Corri até o corredor para ver aquilo com os meus próprios olhos. Vi Margareth e dois garotinhos. Os meninos estavam vestidos de formas totalmente opostas. Um vestia camiseta preta, bermuda amarela, meias pretas e tênis amarelo; o outro vestia camiseta amarela, bermuda preta, meias amarelas e tênis preto.
Margareth percebeu a minha presença.
— Olha que gracinhas, Nando! Nunca vi gêmeos tão idênticos assim!
Os dois olharam na minha direção. Juro, senti uma sensação estranha. Não sei exatamente o que foi, mas não gostei.
— Como vocês se chamam? — perguntei, fingindo sorrir.
Ficaram mudos. Um deles parecia estar com medo de mim, o outro me encarava de forma ameaçadora. Vou ter que concordar com o gordinho: crianças esquisitas!
— Vocês estão com medo de mim? — perguntei, meio sem querer.
Ambos responderam exatamente juntos. Mas um disse Sim e o outro respondeu Não. Foi muito estranho.
— Eu não disse? — disse o gordinho peçonhento, atrás de mim. Tomei um susto daqueles.
— Porra, gordo! — xinguei. — Quer me matar do coração, caralho?
— Não digam palavrões na frente dos garotinhos! — reclamou Margareth.
Resolvi testar os pirralhos.
— Vocês sabem dizer palavrões? — perguntei.
O garotinho da direita respondeu:
— Não.
Seu clone permaneceu calado, parecia um boneco de cera.
— Quantos anos vocês tem? — perguntou Margareth.
— Não adianta! — resmungou o gordo, balançando a cabeça negativamente. — A pergunta precisa ser respondida com Sim ou Não.
Margareth soltou um riso curto.
— Até parece! — disse ela, descrente. — Eles estão brincando com a gente.
— Vocês dois estão zoando com a gente? — perguntou o gordo para os meninos.
O garotinho da direita novamente respondeu:
— Não.
— Não falei? — disse o gordo. — Eu quero ir embora daqui. Esta casa me dá arrepios.
E foi aà que tive uma ideia absurda, mas foda-se, a vida é feita de ideias absurdas mesmo, né? Resolvi perguntar para os pirralhos:
— O Pezão vai voltar?
Margareth e o primo ficaram me olhando, abismados.
De repente um dos pirralhos respondeu:
— Não.
— Tem certeza? — disse eu.
— Sim — respondeu o outro.
— Estamos fodidos — disse o gordo, desanimado.
— Isso é um absurdo! — resmungou Margareth. — Eles nem conhecem o MaurÃcio!
— Espera — disse eu. — Vamos ver se eles são bons mesmo. Olhei para os pirralhos e: — Viajamos até aqui para a Margareth ver a mãe dela. Sim ou não?
— Não.
Tentei outra:
— Viajamos até aqui para a Margareth ver o tio. Sim ou não?
— Não.
— Viajamos até aqui para a Margareth ver o pai. Sim ou não?
— Sim — respondeu o outro.
— Caraca! — disse Margareth, pousando sua mão direita sobre a boca. — Só pode ser alguma brincadeira.
— Nós vamos morrer? — perguntou o gordo.
—Â Sim.
— Mas que raio de pergunta imbecil foi esta? — disse eu, muito puto. — É claro que vamos morrer. Por acaso você é Highlander, gordo?
— Putz, viajei. Todos nós vamos morrer um dia, né? Dããããããããã!
Pensei numa pergunta melhor para os gêmeos esquisitos:
— O Pezão ainda está vivo?
Margareth nem respirou.
— Sim — respondeu o guri.
O alÃvio no rosto dela foi comovente. Acho que ela gosta do Pezão de verdade.
— Falta muito tempo para a minha morte? — perguntou o gordo, viajandão.
—Â Sim.
— Se você continuar com estas perguntas idiotas, eu prometo encurtar este prazo!
— O meu namorado está perto? — perguntou Margareth. Ótima pergunta!
—Â Sim.
Ela abriu um sorriso de alÃvio. De repente fechou a cara e fez outra pergunta:
— O meu namorado está com outra mulher?
Os dois garotinhos falaram juntos. Mas um disse sim e o outro disse não.
— O quê? — Margareth ficou puta da vida. — Respondam! Sim ou não?
Eles repetiram as respostas, perfeitamente sincronizados.
— Já entendi — disse o gordo, rindo feito uma hiena rechonchuda rolando morro abaixo. — O seu namorado está com um traveco!