“O Pai da Magareth”
CapÃtulo 15 – Cansei de Esperar
Mas ela não estava tão bem quanto pensava. Assim que tentou se levantar, sentiu alguma coisa e foi ao chão novamente. A expressão em seu rosto era de muita dor.
— Acho que torci meu tornozelo — disse ela, fazendo caretas.
— Que legal, hein! — falei, em tom de ironia. — Eu com o ... saco inchado e você com o tornozelo fodido. O que mais falta nos acontecer?
— Só o Tim continua firme e forte — ela riu, depois voltou a fazer caretas.
Veremos até quando.
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Passaram-se quase duas horas e nada do Pezão.
Meu estômago está cantarolando faz tempo, mas jabuticaba eu não como nem a pau.
— Eu disse que ele não ia voltar — resmungou o gordo, comendo mais uma jabuticaba.
— Começo a achar que não mesmo — disse eu, olhando para a prima dele.
Margareth pegou o celular do bolso e ligou outra vez para Pezão. Pelas minhas contas será a vigésima tentativa. A expressão no rosto dela disse tudo: sem sinal outra vez.
— Eu não acredito que ele fez isso com a gente — disse ela, puta pra caralho.
Levantei-me para esticar os ossos. Meu pinto ainda doÃa, mas nem tanto.
— Vamos voltar para a estrada? — falei.
Ninguém me respondeu. E o gordo pegou a milésima sexta jabuticaba.
—Â Meu, puta que pariu, para de comer esta porcaria nojenta!
Para me provocar, ele enfiou mais duas jabuticabas na boca. Foi a gota d'água. Saà andando para onde meu nariz apontava.
— Aonde você vai? — gritou Margareth.
— Pra casa — respondi, puto.
— Volta aqui, nervosinho! Você também vai nos abandonar?
Bateu um certo remorso. Não pelo gordo peçonhento, mas por ela. A coitada estava com o tornozelo torcido e seria uma puta sacanagem da minha parte deixá-la ali.
Voltei.
— Vamos embora daqui — disse eu, ajudado-a a se levantar. Vocês vão achar que é implicância minha, mas o gordo comeu mais uma jabuticaba. Senti uma puta vontade de vomitar sobre ele.
— Pra onde vamos? — perguntou Margareth.
— Sei lá, mas não vou ficar aqui esperando por alguém que não vai voltar.
E partimos na direção da estrada. O gordo jogou algumas jabuticabas no bolso e veio atrás, com uma cara de poucos amigos.
Margareth andava com dificuldade, precisou apoiar-se em mim. Ficamos agarradinhos, se querem saber. Ela cheira tão bem.
— Você é um cara legal, Nando — disse ela, de repente.
— Impressão sua. É a fome.
Ela riu.
— Por que você não está namorando?
— Sei lá, meus namoros não costumam durar muito.
— Por quê?
— Sei lá! — e dei de ombros.
— Você já se apaixonou alguma vez?
— Já.
—Â Que bonitinho!
— Qual era o nome do cara? — disse o gordo peçonhento.
—Â Fica na tua, Free Willy!
— Fri o quê?
— Ah, deixa pra lá.
— Vocês dois parecem irmãos — disse Margareth.
— Porra, agora você pegou pesado — resmunguei.
Levamos uns bons vinte minutos para chegarmos à estrada. Estava deserta, como eu já imaginava.
— Que raio de lugar é este que não passa ninguém? — disse eu, puto.
— Calma, vai passar — disse Margareth, calma. — Se fizeram a estrada é por que alguém precisa dela, não é?
— Nem sempre — disse o gordo. — Pode ter sido apenas uma obra superfaturada.
Ficamos olhando espantados para o moleque.
— O que foi? — disse ele. — Vocês não assistem jornal? É acachapante!
Margareth mostrou a lÃngua pra ele, depois riu. Fui menos sutil, mostrei o dedo.
Sentamos debaixo de uma árvore e ficamos esperando algum movimento. Mas nada acontecia naquela porra de estrada. Absolutamente nada se mexia, nem as folhas das árvores. Caralho, será que todos os seres vivos do planeta morreram e só sobramos nós três?
— Conta uma piada, Nando — disse o gordo.
— Está me achando com cara de Ary Toledo?
— Credo, ele só pediu pra você contar uma piada — argumentou Margareth.
— Mas eu não sei contar piada.
Silêncio. De repente Margareth começou a rir sozinha.
— O que foi? — perguntei. — Lembrou de alguma?
—Â Conta aÃ, prima!
— Não é piada. Lembrei de uma história que aconteceu semana passada. — agora ela estava à s gargalhadas, parecia uma hiena tomando refrigerante gelado num dia quente de verão — Vocês homens são muito sem noção.
— Conta logo, cacete! — disse eu, rindo.
— Ah, é meio Ãntimo, aconteceu no motel.
— No motel? Opa, agora é que vai ter que contar mesmo!
— Fala que você estava chifrando o seu namorado cuzão, por favor! — disse o gordo, esfregando as mãos.
— Que chifre o quê? Eu estava com o MaurÃcio mesmo.
— É tão estranho ouvir MaurÃcio, dá a impressão que você estava chifrando o Pezão com outro.
— Querem que eu conte a história ou não?
Eu e o gordo balançamos a cabeça positivamente, e nos calamos.
— Nem é tão boa assim, mas quando eu lembro começo a rir feito uma idiota. Estávamos na banheira e de repente senti a água borbulhar. Pedi para que ele desligasse a hidromassagem, pois odeio aquilo.
Ela desembestou a rir novamente; seus olhos pareciam as cachoeiras de Foz do Iguaçu.
— É a história mais idiota que eu já ouvi — disse o gordo.
— Eu ainda não terminei, Tim. O filho da mãe olhou pra mim e respondeu: Quem disse que eu liguei a hidro?
O gordo ficou olhando pra ela, sem entender. Eu comecei a rir, mas eu confesso que estava rindo da cara do gordo, não da história. Afinal de contas peidar na banheira é algo tão comum. A diferença é que eu espero ligar a hidro pra dar uma disfarçada, né?
— Eu queria bater nele — completou Margareth, rindo. — Mas eu ria tanto que não consegui.
— Você entendeu? — perguntou o moleque, olhando sério para mim.
— É piada de motel, fica frio que um dia você vai entender.
— Grande coisa! Já vi fotos de motel pela Internet, não sei qual é a graça daquilo. É basicamente um quarto com uma cama redonda e espelho no teto. E daÃ?
— Na teoria eu até concordo contigo. Mas não sei explicar, motel é motel. Mesmo que você tente recriar o ambiente na sua casa, não é a mesma coisa.
— Com certeza — completou Margareth. — Por mais fuleiro que seja, motel é motel. Só de passar pela porta de entrada já dá aquele arrepio gostoso na espinha.
— Bobagem — disse o gordo, puto da vida. E aposto que não entendeu o lance da banheira até agora.
— Conta uma história boa de motel pra gente — disse Margareth para mim. — Aposto que você deve ter muitas.
Tentei puxar pela memória e caà numa armadilha. Lembrei-me de Caroline olhando apavorada para a irmã, caÃda no banheiro. Uma das piores noites da minha vida.
— Nossa, que cara é essa? — perguntou Margareth, olhando assustada para mim.
— Deixa pra lá.
— Lembrou de umas brochadas, né? — disse o gordo.
Fiquei tão desnorteado com aquela lembrança que nem me importei com o que ele disse. Por que será que toda vez que lembro da Caroline eu fico assim, porra?
Levantei-me, ainda meio grogue, e disse:
— Vamos, não aguento mais ficar aqui sentado.
Estendi a mão para Margareth e a puxei. Mesmo assim ela fez uma careta de dor.
—Â Seu tornozelo continua ruim?
Ela fez que sim com a cabeça.
— Pra onde a gente vai? — perguntou o gordo.
— Sei lá, meu! Mas você prefere ficar sentado aqui o dia todo?
— Ahã.
— Então fique — e olhei para Margareth. — Mas nós vamos embora daqui, né?
Ela tentou dar dois passos e gritou de dor. Não sei quem ficou mais triste: ela ou eu.
— Acho que está mais sério do que eu imaginava — disse ela, quase chorando.
Tive uma reação rápida e totalmente espontânea. Tentei pegá-la no colo. A princÃpio Margareth ficou meio sem graça, mas acabou cedendo.
— Estou muito gorda, Nando! — disse ela, com o rosto todo vermelho.
—Â Gorda era a Jurumina.
—Â Quem?
— Deixa pra lá — e olhei para o primo — Você vem com a gente ou não?
Ele fez uma cara de poucos amigos, colocou as mãos na cintura e respondeu:
— Tudo bem, eu vou. Mas a gente vai parar pra comer, né? Estou faminto!
Assim que ele respondeu que viria já comecei a andar.
Margareth nem era tão pesada assim, mas depois de alguns minutos eu já estava exausto por carregá-la. Lembrei-me de um filme de terror, onde o marido carregava sua esposa pelo deserto, enquanto seu filho os seguia logo atrás. No filme morrem os três. Minha memória está uma maravilha hoje, né?
Se já não bastasse tudo o que estamos passando, o gordo peçonhento começou a resmungar lá atrás. A cada dois passos eu ouvia seus gemidos.
— O que você tem, porra? — perguntei, sutilmente.
— Minha barriga tá doendo!
— Claro que está! Você comeu uns 30 quilos daquela maldita jabuticaba, cacete!
—Â Preciso cagar, Nando!
Aproveitei a oportunidade para parar e descansar um pouco os braços. Coloquei Margareth delicadamente sentada sobre um toco de árvore ao lado da estrada. O sol estava insuportável e não havia uma sombra sequer.
O gordo ficou acariciando a barriga e fazendo caretas.
— O que você está esperando? — disse eu para ele. — Vai cagar, porra!
—Â Onde?
— E eu é que sei? Procura um lugar por aÃ.
Ele ficou um tempão olhando para os lados, tentando criar coragem.
— Anda, gordo, você vai cagar na calça!
— Deixa ele, Nando — disse Margareth, bem abatida. Pela primeira vez a vi assim.
— A dor de barriga está passando.
— Está porcaria nenhuma! Dá para vê-la tatuada na sua cara. Você vai se cagar todo.
— Não vou.
—Â Vai.
— Não vou.
—Â Pior que vai.
— Parem vocês dois!!! — gritou Margareth, puta da vida. — Ouçam!!!
— O que foi? — perguntei.
—Â Acho que ouvi um barulho de motor.
— Não é motor, é seu primo peidando feito um ... Caralho, agora eu ouvi também! É barulho de motor mesmo!
— Eu não disse?
O som foi ficando cada vez mais alto, até que avistamos uma Variant laranja se aproximar. Poucas vezes vi um carro tão velho e feio, mas nunca fiquei tão contente em vê-lo. Precisávamos desesperadamente de uma carona.
— Mostra suas pernas! — pedi para Margareth. Ela não gostou muito da idéia, mas ao ver que o carro ia passar por nós, atendeu ao meu pedido.
O motorista da Variant encostou o carro imediatamente.
— Sempre funciona — completei, com sorriso nos lábios.
—Â E se o motorista fosse uma bichona?
—Â Uma bichona jamais dirigiria uma Variant laranja.