“O Pai da Magareth”
CapÃtulo 12 – O HospÃcio
A loira só balançou a cabeça. Senti ela bem abatida.
— Você é tão nova! — falei. — Como pode estar casada há tanto tempo assim?
— Eu tinha só 15 anos quando nos casamos.
— Caralho, tá explicado então. Quinze anos! Praticamente uma criança.
—Â Sim, o doutor me disse que foi exatamente por isso que a Mirabel apareceu.
— Acho que entendi. Como você não teve infância, a menina ...
— La la la la la la la la la la la!!! Cadê meu chocolate, hein?
Porra, de novo? Vai tomar no cu!
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Antes que você me pergunte, sou eu outra vez, o Pezão. Não gostou? Azar o seu! Já basta ter que aguentar esta maluca do meu lado, não vou me preocupar com vocês aà não.
— Eu quero a rola!!! — gritou Jezebel. Quero dizer, Mirabel. Ah, sei lá!
— Rola? — perguntei. — Você é muito nova pra isso, não acha?
O gordo esticou o braço pelo vão entre os bancos e entregou uma bonequinha de plástico para Mirabel. Esta agarrou o brinquedo com tanta força que pensei que fosse quebrar em dois.
— Porra, o nome da boneca é Rola?
O Shrek explicou:
— Era pra ser Lola, mas como ela não conseguia falar, ficou Rola mesmo.
— Então ela tem o problema inverso do Cebolinha?
— O quê?
— Deixa pra lá.
Caralho, será que pega muito mal se eu expulsar estes dois malucos do meu carro? Porra, o carro é meu, certo? Tenho direito a fazer isso, não tenho?
Outra vez aquele choro. Acho que a loira voltou a ser Jezebel.
— Desculpa!!! — disse ela. — Estou super envergonhada.
— Fica fria. Enquanto a Mirabel não fizer xixi no meu carro está tudo certo.
A loira gostosa sorriu. Puta merda, se não fosse este gordo aqui atrás eu juro que daria um beijão de lÃngua nela.
— O que você veio fazer nas Minas Gerais? Seu sotaque não é daqui.
—Â Vim encontrar uma pessoa.
— Aposto que é uma namorada.
— Não é. Na verdade é o ... pai dela.
—Â Pai?
— É uma longa história.
—Â Qual o bairro onde ele mora?
— Olha, não faço a menor idéia, tudo o que eu sei é que ele está internado num hospÃcio.
A loira fez uma cara meio triste.
— O que foi? — perguntei.
— Aquele lugar não me traz boas recordações.
—Â Que lugar?
— O HospÃcio São Borba. Fiquei internada lá um bom tempo.
— Caralho, então você conhece lá? Que legal!
Olhei para o lado e ela estava chorando. Porra, a loira só chora!
— Fica assim não — falei, colocando minha mão direita sobre o ombro dela. — Não chore.
— Chorar me faz bem. Quando eu choro a Mirabel não aparece. Eu odeio quando ela se apodera de mim, odeio!
Sério? Então chora, loira, chora. Aquela pentelha chocólatra é um porre!
Só uma dúvida ... Se pintar um clima e eu comer a Jezebel, será pedofilia se a Mirabel tomar o corpo dela na hora H? Admitam, é uma pergunta digna de vestibular da Unicamp.
— Posso te fazer uma pergunta? — disse eu para a loira.
—Â Claro.
— O motivo de você ficar internada no hospÃcio foi o lance da Mirabel?
— Foi — ela respondeu meio sem graça. — Você está com medo de mim, não é?
— Medo? Não, de jeito nenhum. Você é muito gata.
— Obrigada. Mas ninguém quer uma mulher maluca. Nem o Valdir suportou muito tempo.
—Â Valdir?
Jezebel apontou para o Shrek.
— Ah, ta, o Shr... o Valdir. Saquei.
— Ninguém pode dizer que eu não tentei — disse o Shrek.
— Pobrezinho, não foi fácil ter que suportar a Mirabel todos estes anos. E não é justo que ele precise aturá-la mais. Ele vai encontrar uma mulher que lhe faça muito feliz.
Feio daquele jeito? Acho meio difÃcil. Lembram daquele gordinho do filme O Cruzeiro das Loucas? Então, o cara parece um pouco com ele, só que mais peçonhento.
— Nossa união matrimonial terminará hoje, mas continuaremos amigos para o resto de nossas vidas.
Tem mais alguém aà com vontade de vomitar ou só eu?
Bom, se a porra da placa não estiver errada, chegamos em Pouso Alegre.
—Â A Rola quer aprender a dirigir!!!
—Â Porra, a MaÃsa voltou.
— Você falou nome feio outra vez. E meu nome não é MaÃsa, é Mirabel.
O gordo estava quase gozando de tanto rir lá atrás.
— MaÃsa — disse ele. — Mandou bem, cara.
— Você vai ensinar a Rola a dirigir ou não?
É incrÃvel como o rosto da Jezebel muda quando ela está possuÃda pela pirralhinha maluca. Vou confessar, é meio assustador. Lembra um pouco o filme O Exorcista. Só falta ela girar a cabeça em 360 graus. Se isso acontecer eu juro que expulso os dois do meu carro, nem que seja na porrada.
— A Rola é uma boneca — falei, sério. — Bonecas não dirigem.
— Dirigem sim! A Barbie tem carro.
— Mas a Barbie é a Barbie. A Rola é a Rola.
Não resisti. Caà na gargalhada. A menina ficou puta da vida comigo.
— A Rola é muito melhor que a Barbie, sabia?
—Â Por favor, Jezebel, volta!
— Não funciona assim — disse o gordo. — Já tentei isso muitas vezes.
— Não tem nenhum truque que funcione?
— Não que eu saiba.
— Vou ser sincero contigo, como é que você aguentou isso por 10 anos? Pensa bem, você tinha uma esposa e uma filha dentro de um mesmo corpo. Não era esquisito?
— Esquisito? Era bem pior que esquisito, era bizarro, isso sim! Se eu te contar minhas histórias você não vai acreditar, cara.
— A Rola quer chocolate! A Rola quer chocolate!
— O que eu faço, porra? — perguntei, olhando o gordo pelo retrovisor.
— Ignore. Ou você prefere ensinar a boneca a dirigir?
O Shrek está ficando folgado ou é impressão minha?
A menina me azucrinou tanto que eu acabei perdendo a paciência.
—Â Pega este chocolate e enfia no cu da Rola, caralho!
— O quê? — pelo tom de voz eu percebi que Jezebel estava de volta.
—Â Putz, foi mal.
Ao perceber que a boneca estava em suas mãos, Jezebel sentiu tanta raiva que a jogou longe.
— Nãããããããaãão!!! — gritou o gordo, desesperado. — Para o carro, agora!
— Por quê? — perguntei. — É só uma boneca estúpida.
— Só uma boneca? A Mirabel que você conheceu é a versão leve. Precisa ver como ela fica quando não acha a boneca.
— Azar o dela. Ela que chupe o dedo para passar o tempo.
— Por favor, pare o carro — insistiu o gordo. — Não deve estar difÃcil de encontrá-la. Eu mesmo procuro, vocês podem esperar aqui.
— Ela precisa aprender uma lição — disse Jezebel, séria.
— Depois não digam que eu não avisei — disse o gordo, puto.
— Pra onde vamos? — perguntei. — Querem assinar a papelada do divórcio ou vamos procurar o hospÃcio? O que faremos primeiro?
— Eu prefiro assinar logo o divórcio e dar o fora daqui — resmungou o Shrek.
— Mas o hospÃcio fica mais perto — disse Jezebel.
— Beleza então.
Bom, se o pai da Margareth estiver tão curado quanto Jezebel, algo me diz que terei problemas.
Vou ser bem honesto com vocês, a fachada do hospÃcio me deu um certo cagaço. Porra, o lugar parece cenário de filme de terror. Se fosse noite, eu daria meia-volta e adeus.
Jezebel desceu do carro junto comigo. O gordo preferiu ficar.
— Assustador, não? — disse a loira. — Lá dentro é ainda pior.Â
— Sério? Puta merda.
Silêncio enquanto subÃamos as escadas em direção ao portão principal.
— Você o conhece pessoalmente?
—Â O pai da minha namorada?
—Â Sim.
— Não, nunca vi.
—Â Sabe o nome, pelo menos?
— Sim, é Manfredo. Ou acho que é isso.
— Acha que é? Como você pretende tirá-lo daqui se você nem sabe o nome dele?
— Um biruta a menos, um a mais, eles nem vão perceber.
A loira começou a rir. Aproveitei e deixei que ela me ultrapassasse, somente para vê-la subir as escadas de um ângulo mais apropriado.
Que delÃcia! Que bunda!
— O que foi que você disse?
— Eu? Nada.
Porra, como foi que ela me ouviu? Caralho, preciso aprender a dominar melhor este negócio aqui.
Paramos diante de uma porta enorme de madeira, muito parecida com aquelas portas de castelos. Jezebel tocou a campainha.
Quando eu me preparava para lhe agradecer, vi seu rosto mudar novamente.
— Onde estamos? — disse Mirabel, com aquela voz irritante.
—Â Na Disney.
—Â Acha que sou burra?
—Â Acho.
E antes que eu pudesse fazer alguma coisa, ela me acertou um chute certeiro no saco. Filha da puta!!! Acho que jamais serei pai depois disso.
— Sorte sua ... por ser mulher — falei, meio sem fôlego. Puta merda, que dor!!!!!!!
Ela riu de mim. Aquilo me deixou ainda mais puto.
E pra ajudar, a porta do hospÃcio abriu. Um homem de mais de 2 metros apareceu, vestido todo de branco.
— Em que posso ajudá-los? — disse o gigante.
— Você ... pode esperar ... só um minuto? — eu estava sem fôlego suficiente para completar uma frase inteira.
— O moço precisa de alguma coisa?
Respirei fundo e tentei esquecer a dor. Se você é homem sabe o que estou passando. Não há nada pior que levar um chute certeiro nas bolas. Bom, levar uma facada nas bolas deve doer ainda mais, é lógico.
— Eu vim buscar um paciente que está para receber alta — fui honesto. Agora vamos ver a merda que vai dar.
—Â Qual paciente?
—Â Manfredo Palladine.
O grandão abriu um sorriso de orelha a orelha. Estranho. Contei alguma piada?
— Sério, o Man? — disse ele, todo empolgado. — Você veio buscar o Man?
— Man? Até onde eu sei, o nome dele é Manfredo.
—Â Sim, mas todos o conhecem por Man.
A Margareth não me falou nada a respeito de apelido, mas deve ser ele. Quais as chances de haver dois Manfredos malucos no mesmo hospÃcio, né?
— Ele está recuperado, certo? — perguntei, só por precaução.
O gigante começou a rir. Depois respondeu:
— Claro, claro, ele está outra pessoa. Vamos entrar, você terá que assinar alguns documentos. Coisa rápida.
Porra, tem alguma coisa cheirando mal. E juro que não peidei.
De repente o grandão encarou Jezebel ... ou Mirabel, sei lá.
— Não te conheço de algum lugar?
— Não — a voz era da Jezebel. Ufa, a biscatinha adormeceu.
Caà pra dentro. Jezebel ficou parada na porta, meio assustada.
— Você não vai me largar sozinho neste lugar, vai? — falei.
— Acho melhor esperar aqui fora. Este lugar me dá arrepios.
— Deixa de bobeira. Vem comigo, por favor.
Ela ficou indecisa, dava para ver nos olhos dela. Mas por fim ela acabou cedendo.