“O Pai da Magareth”
CapÃtulo 2 – Timóteo
É ... acho que Pezão tá xonado mesmo.
Nem preciso dizer que Margareth teve um orgasmo bem na minha frente, né? Pode trocar a calcinha, minha filha, pois esta ... já era.
Ah, e antes que vocês me perguntem ...
SIM, eu também vou pegar a estrada com eles. Odeio ser empata-foda, mas eles insistiram tanto, né?
Pouso Alegre ... Lá vamos nós!!!
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A viagem ficou marcada para a manhã de quarta-feira. Confesso que pensei várias vezes em desistir. Tem algo me dizendo para ficar em casa, sei lá.
Bom, mas como o meu sexto sentido é uma bosta e nunca acerta, eu farei exatamente o contrário. Eu vou sim.
Pouso Alegre não fica tão longe assim, então nós voltaremos no mesmo dia. O que ainda não sabemos é se o pai da Margareth voltará conosco.
A quarta-feira chegou e, como de costume, Pezão não apareceu no horário combinado. Mas apareceu. Olhei para o carro e logo notei uma presença estranha sentada no banco de trás ... um moleque gordo. Espero que isso tenha uma boa explicação.
Entrei no carro e o clima parecia tenso. A única pessoa aparentemente animada para a viagem era justamente o gordinho, que me encarou dos pés a cabeça.
— Morreu alguém? — perguntei.
— Não — respondeu Margareth, de braços cruzados, visivelmente irritada.
Pezão saiu queimando os pneus, como sempre.
Olhei para o gordinho. O moleque deve ter uns 13 anos de idade, parece ter acabado de sair de um gibi da Luluzinha. Seus cabelos ruivos encaracolados parecem algodão-doce de laranja. Sua camiseta do Che Guevara é tão grande que daria para costurar duas para mim, e ainda sobraria pano. O iPod azul em suas mãos está tão batido que parece ter sido usado por um soldado na Segunda Guerra Mundial.
— Quem é você? — perguntei, num tom gentil.
— Timóteo. Mas me chamam de Tim.
— Deviam te chamar de chantagista, isso sim — resmungou Margareth, olhando pelo espelho retrovisor.
— É seu irmão? — perguntei para ela.
— Nem! Esta praga é meu primo.
Estendi a mão para o gordinho e me apresentei. Ele continuou com a mesma cara de bunda e voltou sua concentração para os fones do iPod.
Não vou aborrecê-los com a história toda. Resumindo: Timóteo descobriu sobre a viagem da prima e prometeu contar tudo para sua mãe, caso Margareth não deixasse ele vir junto com a gente.
Bom, só espero que o gordinho fique quieto no canto dele. Não tenho muita paciência com crianças.
— Sabe qual estrada pegar? — perguntei para o Pezão.
Ele meteu a mão no porta-luvas, retirou três folhas de sulfite dobradas em forma de um canudo e me passou pelo espaço entre os bancos da frente. Depois disse:
— O imprestável do meu irmão finalmente serviu para alguma coisa.
Desenrolei as folhas. Havia um mapa impresso nelas.
— O pirralho é foda mesmo — disse eu. — Tem tudo aqui?
— Sim, inclusive a distância em quilômetros. Ele pegou da Internet.
O gordinho esticou os olhos para o mapa e disse:
— Foda? Só por que ele entrou no Google Maps e imprimiu a rota da viagem? Qualquer idiota sabe fazer isso.
— Não somos nerds como você, gorducho — disse Pezão.
— Não precisa ser nerd para usar o Google Maps. Qualquer imbecil pode usar.
Comecei a rir. O gordinho fala de um jeito engraçado. Sua voz rouca parece a voz da Daniela Cicarelli. E o moleque tem personalidade!
Para quebrar o clima que ficava ruim, decidi puxar assunto com o gordo.
— O que você está ouvindo? Que bandas você curte?
—Â Quando estou de bom humor eu gosto de ouvir Black Flag.
— Não conheço. É bom?
— Sim, é acachapante.
Acachapante? O gordinho é cheio de graça, hein!
— E quando está de mau humor você escuta o quê?
— Abro só um pouquinho a torneira da pia do banheiro e deixo ela pingando bem lentamente.
— Como é que é?
—Â O som das gotas me acalma.
—Â Ah, entendi.
—Â Eu fico imaginando gotas de sangue caindo de um corpo pendurado numa forca.
Putz! O gordinho é mais doido do que eu imaginava.
— É ... acachapante — terminou ele.
Margareth desapertou o cinto de segurança e colocou o rosto entre os bancos, furiosa.
— Você tem que parar com isso, Tim!
— Isso o quê?
— Esses negócios aà de sangue, corpos pendurados, forca e o escambau!!!
— Todo mundo vai morrer um dia, prima. Eu, ele — apontou para mim — , você, seu namorado ...
— Eu sei, caramba!!! Mas não precisa ficar falando dessas coisas.
O gordinho olhou meio triste para mim. Depois disse:
— Você não se excita com o som de gotas de sangue caindo no chão?
— Eu? Não.
—Â Nem um pouquinho?
— Não.
— Você é esquisito.
Margareth não resistiu e acabou rindo. Ela apertou novamente o cinto e a viagem prosseguiu.
— Faz quanto tempo que você não vê o seu pai? — perguntei para ela.
—Â Mais de 10 anos, Nando.
— Caralho!!! Tudo isso?
— Ahã.
Do nada, o gordinho colocou um dos fones no meu ouvido.
— Ouve isso aqui, é acachapante — disse ele.
Acachapante porra nenhuma!!! Pensei que era alguma música, mas tudo o que ouvi foram gritos apavorantes e sons tão esquisitos que eu prefiro nem descrevê-los para vocês.
Tirei o fone imediatamente, é claro.
— Que porcaria é esta, guri?
— Você não curtiu?
— Claro que não! Um monte de gente gritando! Eu, hein!
— Não curtiu nem um pouquinho?
— Não, porra!
— É, você é muito esquisito, Nando.
— Esquisito é a puta que te pariu, gordinho do caralho!
Margareth ficou uma fera comigo.
— Nando!!! O que foi isso???
— Ah, você pode xingar o moleque à vontade, né?
— Claro, ele é meu primo.
— Tem certeza que não é seu irmão? Pois ele parece ser louco também.
Putz!!! Acho que falei demais. Margareth ficou azul de raiva.
— O que você quis dizer com isso, Nando?
— Desculpa, eu não falei por mal.
— Meu pai está curado, por isso recebeu alta.
O gordinho nem deu bola para a nossa conversa. Arregalou os olhos para mim e disse:
— Você lembra daquela cena inicial do filme Pânico, em que um dos assassinos mata o namorado da loira?
— Não. Sim. Ah, sei lá.
Ficamos todos esperando pela conclusão do raciocÃnio. Mas ela não veio. O gordinho ficou calado, ouvindo seu iPod.
— O que é que tem aquela cena? — disse eu, impaciente.
— Nada, oras! — respondeu ele, me olhando com cara de espanto. — Só perguntei se você lembrava.
— Pensei que você ia dizer que era uma cena acachapante.
— Que nada! Aquele filme é uma bosta. Tudo sangue fajuto. Prefiro filmes com sangue de verdade.
— Mas filme nenhum tem sangue de verdade, guri. É tudo de mentirinha.
— Já assistiu Faces da Morte?
Margareth deu um salto do banco.
— Você assistiu Faces da Morte, Tim?
— Opa, todos eles, e até já decorei alguns deles.
—Â Vou contar tudo pra tia!!!
— Conta. Que diferença isso vai fazer?
— Na sua idade eu costumava assistir outros tipos de filme — disse Pezão.
— Já sei — disse o gordinho. — Morte Mortal, né? Fraquinhos. Não tem desmembramentos, minhas partes favoritas.
— Não, porra!!! — disse eu, irritado. — Ele quis dizer filme pornô, gordo!!!
— Isso também não, né? — disse Margareth, fazendo cara de nojo.
— Filme pornô? E pra que eu assistiria filme pornô? — disse o moleque.
—Â Ora, pra fazer o que todo guri da sua idade faz, porra!!!
— Masturbação? Mas quem foi que disse que a gente precisa de filme pornô pra se masturbar?
— Bom, precisar não precisa, mas dá uma bela ajudinha.
—Â Eu costumava me masturbar assistindo a cena do chuveiro do filme Psicose.
— O quê? — disse Margareth, chocada. — Eu vou fingir que não ouvi.
— Mas agora eu não faço mais isso.
—Â Ah, que bom.
— Psicose perdeu a graça. Agora eu me masturbo vendo as cenas de desmembramento. Não tem nada mais excitante do que um braço voando longe e a pessoa gritando apavorada. É acachapante!!!
Margareth não resistiu à quela conversa, vomitou a janta de ontem e o café da manhã de hoje. O painel do carro ficou um verdadeiro arco-Ãris. Eca!!! O olhar de tristeza do Pezão falou mais que mil palavrões. A cena me fez lembrar do Opalão.
Agora eu tenho certeza: Pezão está mesmo apaixonado pela Margareth. Sorte a dela, pois se ele não estivesse, ela estaria morta neste exato momento.