“O Pai da Magareth”
CapÃtulo 1 – Na Pizzaria
Fim de domingão. Eu aqui, esperando o Pezão e a namorada para sairmos juntos. Que situação, hein! Segurando vela; por esta eu não esperava.
Tentei convidar a Angelina, mas a desgraçada não atendeu o maldito celular. Poxa, se não queria falar comigo, por que me passou o número então? Foda-se.
Pezão atrasado como sempre. Marcamos às 9 da noite; já são quase dez.
Quando eu me preparava para discar o número do celular, o filho da puta buzinou.
Entrei no carro e, confesso, senti uma certa inveja do Pezão. Não por ele ter mais grana do que eu, não por ele estar namorando e eu não, mas inveja pelo cheirinho bom que estava ali dentro do veÃculo. Eu queria tanto poder entrar no meu Opalão e não sentir vontade de vomitar cada milÃmetro de minhas entranhas!
— Que cara é essa? — perguntou o Pezão, me olhando esquisito — Não peidei.
—Â Credo, Mau! —Â disse Margareth. —Â Que nojo!
— Hmmmm ... Mau? — disse eu, em tom de deboche. — Que bonitinho! Já estão na fase dos apelidos carinhosos, é?
— Já falei pra ela que eu não gostei.
— Mas você me chama de Ma.
— E daÃ? Mulher é diferente. Pra homem fica gay.
— Azar o teu. De Pezão é que eu não vou te chamar!
— Então é assim, é?
— Calma, galera — tive que me intrometer. — Se vocês querem brigar, tudo bem, mas que seja por algo menos idiota!
Acho que deu certo. Ficaram quietos. E depois até rolou um beijo.
— Pra onde a gente vai? — perguntei, e foi aà que eu percebi que eles estavam se beijando até agora. Porra, eu sei que estou segurando vela, mas eles não precisam ficar se engolindo ali na minha frente, né?
— Eu mataria por uma pizza de chocolate! — respondeu Margareth, ajeitando os cabelos pelo espelho retrovisor.
— Pizza de chocolate o caralho! Doce é doce, salgado é salgado.
Margareth olhou para mim fazendo cara de poucos amigos e disse:
—Â Seu amigo sempre foi grosso desse jeito?
— Você ainda não viu nada, minha filha.
E Pezão saiu cantando os pneus.
— Lembra daquela pizzaria onde a gente pode comer de graça, Nando?
— Lembrar eu lembro, mas acho melhor a gente não arriscar.
— Por que vocês podem comer de graça? — perguntou Margareth.
Pezão ficou rindo sozinho.
— Pelo bem do seu apetite — falei. — , é melhor encerrarmos o assunto.
— Ah, conta aÃ! Agora eu fiquei mais curiosa ainda.
— O Nando tem razão, Ma. Outra hora a gente conta.
— Mas vocês dois são cheios dos segredinhos, hein!
—Â Que nada!
— Talvez alguns — completei.
—Â Sei, sei!
Pobre Margareth, se soubesse de metade do que já aprontamos, né? Sairia correndo do carro. Ou não! A mulherada hoje em dia parece gostar justamente dos homens que aprontam. Sempre que banquei o bonzinho eu me ferrei.
Pizzaria cheia. Mesmo assim conseguimos uma mesa.
Se depender da clientela, vou embora da mesma forma que cheguei; segurando vela. Porra, só tem casal! E casal de velhos! Será que é confraternização de algum asilo?
— A vovozinha ali está te encarando desde a hora em que entramos — disse Margareth num tom irônico.
— Se ela tivesse nascido 50 anos depois, teria chance — respondi, no mesmo tom.
— Peru pra dentro, cara! — disse Pezão. E o pior é que a velha escutou.
Margareth ficou puta da vida.
—Â Fala baixo, oh!
O garçom distribuiu os menus.
Os três concordaram com a de frango com catupiri, apesar de notar que Margareth arregalou os olhos ao ver a foto da pizza de chocolate. Coitadinha.
— Tô morrendo de fome — disse eu, esfregando as mãos.
— Nem me fale — disse Margareth — , faz tanto tempo que não como pizza. Eu estava louca pra pedir uma lá no motel, mas um certo alguém não quis, né?
— Motel foi feito pra gente pra comer outra coisa — disse Pezão.
Margareth lascou um beliscão no braço dele.
— Puta merda! Doeu, porra!
—Â E era pra doer mesmo!
Notei os olhos daquela velha sobre mim novamente. Ela nem piscava. Margareth reparou a mesma coisa.
— Está apaixonada, Nando!
— Você é cheia de graça, né?
— Dá pelo menos uma piscada pra ela, coitadinha!
—Â Margareth.
—Â Oi.
— Enfia o dedo ... — Não tive coragem de completar. Meu lado cavalheiro falou mais alto. — ... Ah, deixa pra lá.
— Deve ter uns 5 quilos de teia de aranha — disse Pezão, sutil como sempre.
— Eca!!! — Margareth fez uma cara tão engraçada que eu comecei a rir feito uma hiena tirando caspa.
— Um dia a tua também vai ficar assim, minha filha.
Margareth deu outro beliscão no Pezão. Este doeu até em mim. Putz!
— Pára com isso, porra! — Pezão ficou vermelho de raiva. — Dói, cacete!
Ela virou pra ele e mostrou a lÃngua. Foi até engraçadinho, parecia uma criança brigando com o pai.
Outro beijo. Não entendo esses dois; brigam num minuto, no outro já estão se beijando.
— Calma aÃ, gente! O motel fica pra lá, ó!
Nem me deram bola. Para me provocar ainda mais, ficavam gemendo baixinho, e rindo.
Por falta do que fazer, dei uma olhada na direção da velha; a minha fã número um.
— Uau! — disse eu, quase babando. — De onde surgiu tudo aquilo ali?
Os pombinhos pararam com aquela melação toda e fixaram os olhos na mesa da velha.
— Puta que pariu! — disse Pezão, sem piscar. — Por onde elas entraram?
Margareth já se preparava para outro daqueles beliscões, mas agora Pezão foi rápido e a impediu.
— Agora melhorou, porra! — disse eu, esfregando novamente as mãos.
Vocês nem fazem idéia das minas que chegaram para fazer companhia à velha. Provavelmente as netas dela. Querem saber? Estou pouco me lixando se são netas ou não, eu só sei que são gatas demais. Uma loirinha com cara de alemã e duas morenas de pele tão clara que por muito pouco não chegam a ser transparentes.
— Quantos anos você daria para a loira? — perguntei para a Margareth.
— Você curtiu aquela mina esquelética? — ela fez cara de nojo. — Que mau gosto, Nando!
Reconheço que a loira é bem magrinha mesmo; corpinho de modelo. Mas o rosto dela é tão lindo que eu nem me importaria. Só para vocês terem uma idéia, ela lembra um pouco a atriz Nicole Kidman.
— Bom, a avó dela é que eu não quero!
Margareth riu.
— Vou ser sincera, ela não deve ter nem 16 anos. Dá cadeia, viu?
— Olha só — disse o Pezão. — , a mina não tem nem peito.
— MaurÃcio, MaurÃcio!!! Quer outro beliscão?
Meu, agora quem não consegue mais tirar os olhos da mesa da velha sou eu. A loirinha me deixou maluquinho. Porém, o que o Pezão disse é a mais pura verdade: a loira parece uma tábua, não tem peitos. Mulher com seios pequenos é a mesma coisa que café com adoçante; você até encara, mas é sem graça.
A pizza chegou.
Finalmente, né? Vamos ver se agora eu consigo me concentrar em outra coisa.
— A morena de cabelo curtinho é bonitinha, já as outras duas ... cruzes! — disse Margareth, enquanto se servia.
— Deixa pra lá — disse eu, brigando com a faca. — A loira é magra demais.
— Curte uma gordinha, né?
— Não sendo nenhuma Orca Baleia Assassina eu até encaro.
— Lembra da Jurumina? Não foi ela que mordeu o seu ... ?
Margareth olhou furiosa para o Pezão. Só não disse nada porque estava com a boca cheia.
Depois de mastigar, ela finalmente soltou o verbo.
— Já caiu a ficha de que estamos numa mesa, seu troglodita?
Olhei para o Pezão, depois olhei para a Margareth e disse:
— Não foi por educação que ele parou. Ele parou porque percebeu a bobagem que estava dizendo. Quem catou a Jurumina não fui eu, foi ele.
Margareth olhou para o Pezão e quase passou mal de tanto rir.
— Você namorou uma garota chamada Jurumina?
— Eu só catei, e foi apenas uma noite. Maldita gorda dos infernos.
Acham que vou perder a oportunidade pra zoar?
— Margareth, imagine um bujão de gás com um vestidinho decotado.
—Â Aff!
Rimos tanto que a galera das mesas próximas a nossa ficou olhando.
— E a Lelê? — disse o Pezão, puto pra caralho. — Lembra da Lelê, Nando?
—Â Claro, mas o que tem ela?
— Ela era mais feia que a gorda e você ...
— Eu o caralho! Foi o Mamutão-Bunda-Gorda que comeu a Lelê, oh!
— Ah, é!
— Porra, Pezão, tá ficando esclerosado?
— Escle o quê?
— Deixa pra lá.
Enquanto isso, Margareth enxugava as lágrimas. Ela riu tanto que até chorou.
— Meu, vocês são duas figuras — disse ela, por fim.
Olhei para a mesa da velha. Ela e as garotas também estavam se divertindo, riam às gargalhadas. Só não sei do quê.
— Um dia quero me sentar com os meus netos numa mesa de bar e contar minhas aventuras — disse eu, ainda com os olhos fixos na mesa da velha.
— Não acha cedo demais pensar em netos?
Voltei os olhos para a nossa mesa. Pezão e Margareth estavam abraçados. Olhando bem para eles, até que formam um casal bacana. Infelizmente os namoros do Pezão não costumam durar muito; o cara é escroto demais, né?
— Pensa em ter filhos? — perguntei para a Margareth. Notei Pezão meio ressabiado com a pergunta, foi nÃtido o desconforto ... hehehe.
— Não — disse ela, sem titubear. — , eu não seria uma boa mãe.
—Â Bobagem. Toda mulher acha isso antes de engravidar pela primeira vez.
— É?
— Ahã. Depois o instinto materno fala mais alto.
—Â Bonito isso.
— Instinto materno o caralho! — tinha que ser o Pezão. — Se esse negócio existisse mesmo não haveria tanto abandono de criança. Semana passada eu vi no jornal a história de uma mulher que jogou o seu próprio bebê numa valeta.
—Â Coitadinho!
— Por isso é que existem os manicômios — expliquei. — Garanto que esta mãe tem uns parafusos a menos.
Notei que Margareth quase foi aos prantos novamente, mas agora de tristeza.
— Eu jamais teria coragem de fazer uma coisa dessas. Eu falei que não daria uma boa mãe porque eu sou meio ... porra-louca. Só isso.
Pezão finalmente deu uma bola dentro: abraçou forte a Margareth e depois deu um beijo carinhoso em sua testa. Fiquei até impressionado com o gesto. Será que o Pezão está apaixonado? Nossa, fim dos tempos. O Apocalipse se aproxima.
— Vamos falar de outra coisa, porra! — agora sim, o Pezão que eu conheço.
Margareth permaneceu abatida, parecia estar em outro lugar.
— Você está bem? — perguntei.
— Hã? Ah, sim ... — e balançou a cabeça positivamente.
— Seus filhos serão caretas — disse Pezão. — , provavelmente nerds.
Margareth finalmente esboçou um sorriso.
— É mesmo? Por que acha isso?
— Pais porra-loucas; filhos caretas. E vice-versa. Nunca percebeu isso?
Agora sim ela riu. Que bom, Margareth estava com uma cara de velório que dava pena.
— É verdade — concordou ela.
— Aposto que seus pais são super caretas.
Xiiiiiiiiiii, Marquinho! Cara de velório outra vez. Até o Pezão sacou.
—Â Falei alguma coisa que te chateou, Ma?
— Vamos mudar de assun ... — ia dizendo eu, até que ela resolveu se abrir:
— Perdi minha mãe muito nova. Eu nem consigo me lembrar do rosto dela.
— Foi mal, desculpa — disse Pezão.
— Está tudo bem — ela segurou uma das mãos do Pezão e a beijou carinhosamente.
Ficamos alguns segundos nos olhando, meio constrangidos. Até que ela mesma quebrou o silêncio.
— Fui criada por uma tia. E você tem razão, Mau, ela é a caretice em pessoa. Só poderia dar no que deu ... Sempre fui a rebelde da turma.
— Desculpa, mas eu vou ter que perguntar — disse Pezão. — E o teu pai?
Ela ficou séria novamente. Percebi que ela apertou mais forte a mão do Pezão, talvez até lhe causando dor.
Olhei feio para o Pezão, e deu pra ver que ele percebeu exatamente o que eu queria dizer: "Por que foi perguntar isso, seu idiota?".
Margareth começou a chorar e o abraçou forte. Pezão tentou acalmá-la.
— Quer que eu vá pedir um copo com açúcar? — perguntei baixinho para ele. Pezão fez que sim com a cabeça.
Quando eu me levantei, Margareth olhou para mim e disse com uma voz abafada:
— Não vá, senta aÃ.
— Vou pedir um copo de água com açúcar para você.
— Besteira. Não precisa, eu tô bem.
— Não parece.
— Senta aÃ, bobo! — ela sorriu.
Voltei a me sentar.
Margareth tomou um longo gole de cerveja (que a esta altura deveria estar quente), respirou fundo, olhou para mim, depois olhou para o Pezão, e por fim, disse:
— Vocês devem estar me achando maluca, né?
— Nada a ver — disse eu. — Você deve ter seus motivos.
— Deve ter sido uma morte horrÃvel, né? — disse Pezão, sutil feito um ataque de elefantes.
— Nem. Minha mãe teve um derrame. Minha tia me conta que ela morreu na sala, vendo TV.
—Â Eu quis dizer a morte do seu pai.
—Â Mas quem disse que meu pai morreu?
— Porra, você quase teve um treco quando eu perguntei dele!
— Isso não significa que ele esteja morto.
Silêncio por alguns instantes. Pezão perdeu a paciência.
— Vai nos contar o que houve com o seu pai ou não?
Margareth pegou o resto de cerveja e tomou da própria garrafa. Eu nunca tinha visto isso antes. Foi até engraçado.
— Meu pai está internado — disse ela; seus olhos revelaram uma profunda tristeza.
—Â Sinto muito.
— Mas o que ele tem, afinal? — perguntei. Sei que soou meio grosseiro, mas foi com jeitinho.
Ela respirou fundo, ficou meio sem graça, mas acabou respondendo:
— Ele está num ... hospÃcio.
Silêncio constrangedor. Depois de alguns segundos ela completou:
— Mas ele está melhor. Descobri que ele receberá alta esta semana.
— Sério? Que boa notÃcia.
— Minha tia tentou esconder isso de mim. Pra ela o meu pai morreu, e foi isso que ela sempre quis enfiar na minha cabeça.
— E você gosta dele?
Os olhos dela disseram mais do que qualquer palavra. E ela voltou a chorar. Pezão a abraçou novamente.
— Calma, vai ficar tudo bem — disse Pezão.
Margareth enxugou as lágrimas do rosto, que de tristeza passou a raiva em poucos segundos.
— Se a minha tia pensa que vai me afastar dele, está muito enganada!
— O que você pretende fazer? — perguntei.
— O que você acha? Eu vou atrás dele, caramba!
Pezão ficou surpreso.
— O quê? E só agora você me conta isso?
Ela abriu um sorriso tão sincero feito o de uma criança.
— Que bonitinho! Você vai sentir saudade de mim? — e deu um selinho nele.
— Ah, sei lá!
Putz! Há muito tempo eu não via o Pezão ficar tão envergonhado. O pobre coitado parecia um pimentão.
— Onde fica o hospÃcio? — perguntei.
—Â Em Pouso Alegre.
— Onde fica isso? — perguntou Pezão. Percebi uma certa aflição em sua voz. Ele está preocupado.
—Â Em Minas Gerais, meu anjo.
— Puta merda! E fica muito longe daqui?
— Pelo que eu andei pesquisando, acho que são quase 5 horas de viagem.
— Mas como você vai fazer para chegar lá?
— Ônibus. Nem todo mundo nasceu em berço de ouro como você, né?
Pezão ficou puto da vida. Não sei se foi com o que a Margareth disse ou se foi pelo fato de que ela ficará longe por alguns dias; ou quem sabe para sempre?
— Você não vai — disse ele, sério.
— Como é que é? — nossa, vai sair morte. Precisam ver a cara que ela fez. — Não vou? Você acha que manda em mim?
— Você não vai ... de ônibus.
—Â Como assim?
— Eu levo você.
É ... acho que Pezão tá xonado mesmo.
Nem preciso dizer que Margareth teve um orgasmo bem na minha frente, né? Pode trocar a calcinha, minha filha, pois esta ... já era.
Ah, e antes que vocês me perguntem ...
SIM, eu também vou pegar a estrada com eles. Odeio ser empata-foda, mas eles insistiram tanto, né?
Pouso Alegre ... Lá vamos nós!!!